Eu olhava friamente
aquele homem nos olhos, jogado à minha frente. Seu semblante de terror tinha um
motivo: ele havia desviado parte do negócio, achando que ficaria rico
suficiente para sumir do nosso radar. Coitado. Ninguém escapava de nós.
– Por favor, senhorita
Yanqi! Poupe minha vida! – ele implorava.
Ele já estava
condenado. Isso era um fato. Se eu o deixasse ir embora, Ying, nossa segunda
irmã, pegaria aquele pobre coitado e, se, por sorte, ela o deixasse ir embora,
a primeira irmã, Yu, não o perdoaria e, talvez, nem a nós. Não era a toa o seu
apelido de Manta-Diabo. Yu, com aquele rostinho doce, só enganava quem não
a conhecia. E nós éramos suas irmãs.
– Senhorita, por favor,
eu vou recuperar o dinheiro – ele continuava.
O que passava pela
cabeça de um contrabandista, que nos conhecia e trabalhava para nós, para nos
roubar? Ele sabia o seu destino quando fosse pego. E era realmente isso:
“quando”; porque ele jamais conseguiria se esconder de nós.
– Senhorita, por favor,
eu trabalho para vocês há anos... Por favor, poupe minha vida. Eu tenho esposa
e duas filhas... – ele seguia implorando.
– Eu vou lhe dar uma
escolha – disse a ele – E vou fazer esse favor, por trabalhar para nós há
anos...
– Eu aceito! O que for!
– ele gritou.
– Não ficaria feliz tão
rápido... – ri de seu desespero – Você pode escolher nas mãos de quem vai
morrer... Nas de Ying, de Yu... ou nas minhas.
Ele ficou gelado. Senti
seu coração bater mais forte e o seu medo se espalhar por toda aquela sala
escura, suja, e pouco iluminada pela solitária lâmpada que balançava sobre nós.
– Eu prometo que
cuidaremos de sua esposa e filhas – disse para confortá-lo naquela hora difícil
– E você sabe que nossas promessas são inquebráveis.
Cuidaríamos delas como
se fossem nossa família. Nós, as SanJièmei, nunca quebrávamos uma
promessa. Nossa palavra era mais valiosa que nossas próprias vidas.
Ele olhou para os
lados, assustado. Podia saber que em sua cabeça confusa ele pensava em fugir.
Estava tentando traçar uma rota. Coitado desesperado.
– Se eu fosse você – eu
disse – Escolheria morrer nas mãos de Ying. Sabe como ela é impaciente e gosta
de terminar as coisas muito rapidamente. E, também, ela é muito gentil e
bonita. Provavelmente a mais bonita de nós três. Pelo menos morreria com uma visão
rápida do paraíso...
– Por favor...
senhorita... – ele voltou a implorar.
– Já eu... – ri – Sou
muito paciente... e gosto de sentir o sabor do medo e da dor de quem cai nas
minhas mãos... – Passei o dedo em sua testa, limpando o suor que escorria – Então
eu não me escolheria...
Ele baixou a cabeça e
começou a chorar. Tinha se entregado. Desistido.
– Mas... – eu levantei
sua cabeça pelo queixo – Eu com certeza jamais decidiria por morrer nas mãos de
Yu... Você deve saber como ser eletrocutado até a morte pode ser terrível. O
desespero de quem morre nas mãos dela parece não ter fim. Deve ser uma
eternidade de dor e terror.
Um dos meus guardas se
aproximou e, inclinando, disse-me ao ouvido:
– Senhorita Yanqi, a
moça que veio lhe ver ontem está aqui. Ela quer vê-la novamente. Disse que
trouxe mais uma...
Suspirei desanimada.
Aquela execução teria que esperar.
– Amarrem-no e
deixem-no preso – ordenei – Depois cuido dele.
Segui para a porta e
pelas escadas de volta à minha casa noturna.
Shenzhen era uma
metrópole muito visitada por pessoas do mundo todo, mas aquela garota petulante
era alguém que, de alguma forma, fiquei muito feliz em ter conhecido. Ela tinha
um fogo nos olhos que via em poucas pessoas. Estava atrás de um artefato muito
raro e poderoso e, eu, claro, podia ajudá-la, pelo preço certo.
– A rainha aqui está de
volta – ri, abrindo os braços, ao vê-la me esperando em minha mesa particular
dentro da casa noturna – Agora podemos pensar em uma expedição dessas! – disse.
Com a casa cheia e a
música alta, poderíamos conversar a vontade.
A garota, sentada com
certa impaciência, tinha ao seu lado outra jovem, muito branca, de cabelos
loiros e olhos azuis. Ambas se contrastavam, pois a garota com a qual já havia
conversado tinha um aspecto tal como uma indígena das Américas, com seu cabelo
liso, preto, a pele em um tom bronze avermelhado sedoso e os olhos escuros.
Ambas eram de uma beleza especial.
– Essa é Sera Bee –
disse a garota que eu já conhecia – Ela vai ir junto...
– Mariana... – a jovem
chamada Sera Bee, assustada e desconfortável, parecia não confiar muito em mim
– Tem certeza que é seguro ir com ela?
– Você não confia em
mim? – ri – Eu sou a pessoa certa para esse negócio. Estilo original, bebê –
arrumei minha jaqueta – Você vai adorar minha companhia.
– Mariana... – Sera Bee
continuou – A SeongJa disse que ouviu histórias terríveis sobre as SanJièmei.
São da Tríade!
Não aguentei a
ingenuidade e soltei um riso alto.
– Não temos nada a ver
com a SanHéHui, bebê – gargalhei – Nosso Clã opera independente. Há respeito
mútuo entre nossas casas, entretanto. Porém, nosso poder é algo fenomenal
demais para se comparar com qualquer arma deles.
– Minha outra amiga,
que não veio, disse que vocês odeiam os Protetores tanto quanto nós... – disse
Mariana – Para mim isso basta.
Os Protetores eram uns
vermes. Tinham muito poder e se vangloriavam disso. Nossas habilidades, herança
do nosso Clã, tinham chegado a nós em uma sucessão de batalhas sobrevividas
contra eles. Nós, as SanJièmei, as três irmãs, éramos tudo o que restava
do outrora glorioso e secreto Clã das Flores.
Nosso maior tesouro, o
Manual da Mestra YaoYue, era para nós a única fonte de sabedoria e conhecimento
sobre nossa Arte. E, claro, muitas vezes os Protetores tentaram destruí-lo, no
intuito de por fim de vez à nossa linhagem.
– Nós os odiamos com
toda a nossa alma – cuspi com raiva.
– Então podemos ir? –
perguntou Mariana levantando-se, impaciente.
Acenei vagarosamente
com a cabeça, concordando.
Fazia tempo que não
partia para uma aventura daquelas.
– Mas antes... – eu
levantei o dedo – Precisamos fazer uma parada em Shanghai...
– Para que? – perguntou
Mariana.
– Para que minha irmã
Ying se junte a nós e, depois, vamos buscar Yu – respondi – Nós três vamos com
vocês.
Elas se olharam e
concordaram. Mariana mais que Sera Bee, que ainda não estava muito confiante
com nossa ajuda.
Então, depois de
ajustarmos alguns detalhes, assim que saímos em direção à porta, um dos meus
guardas correu até mim.
– Senhorita Yanqi – ele
me chamou – O que vamos fazer com o contrabandista?
Não podia deixá-lo lá,
jogado como um animal amarrado e enjaulado. Havia prometido cuidar de sua
família e o faria; porém como sairia em negócios com aquelas duas jovens, não
poderia continuar minha execução planejada. Assim, tomei uma decisão por mim
mesma. Coloquei os dedos, indicador e médio, na minha cabeça, como se fossem
uma arma de fogo e soltei:
– Pow!
Ninguém traía as SanJièmei.
A Saga Draconiana – Fragmentos
Draconianos
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A. G. Olyver