Aquela pequena azarada não
sabia sequer andar direito. Como poderia se tornar uma boa Oiran?
– Ande direito, sua bastarda! –
gritei para ela.
A cada geração que passava,
parecia-me que as novas Kamuro tinham
menos e menos tato para aprender a etiqueta necessária para, um dia, com alguma
sorte, tornarem-se Oirans a altura do
meu estabelecimento.
– Senhora... – chamou-me
Tsuka, a Oiran responsável por aquela
desajeitada Kamuro.
– O que houve, Tsuka? – cuspi,
enraivecida por sua negligência em ensinar aquela ínfima desgraçada o mínimo
dos modos exigidos pela minha casa.
Eu herdara aquele estabelecimento
de minha mãe. Era a mais importante Casa de Cortesãs do distrito Yukaku. E, em sua época, aquele distrito
da luz vermelha possuía uma notoriedade e prestígio insuperáveis. As mais altas
cortesãs de nossa casa, dentre todas as Oirans,
eram as Tayu. E, na época de minha
mãe, praticamente todas na casa possuíam esse prestigioso título. Porém, com o
aumento da prostituição barata, a procura pelas minhas Oirans havia caído consideravelmente.
– Senhora... há um homem que
procura a dona da casa... – disse Tsuka – ele parece ser nobre.
– Vou atendê-lo... –
levantei-me – E, por favor, ensine à sua maldita Kamuro como andar direito. Ela
já tem dez anos e logo precisa começar a atender os nossos clientes. Não quero
que ela passe o resto da vida apenas como sua garota de recados e empregada.
– Sim, senhora – Tsuka baixou
a cabeça.
Saí em direção aquele homem que
ela dissera.
Assim que cheguei ao salão
principal, percebi quem estava lá. O homem era realmente nobre e não era a
primeira vez que visitava a casa. Não havia entendido como Tsuka não tinha o
reconhecido.
Depois de trocar algumas
palavras com ele, eu o enviei a um quarto reservado. Por algum motivo, aquele
homem havia se encantado pela Kamuro
de Tsuka e, assim, queria ter ela para ele. Pagava-se muito pela primeira vez
de uma Yuujo, isto é, uma cortesã do
mais baixo nível, que recém havia saído do aprendizado de Shinzo. O problema era que aquela bastarda ainda era uma Kamuro e faltava um tempo para que se
tornasse uma Shinzo. Assim, ela não
seria uma Yuujo por, pelo menos, mais
seis anos.
– Tsuka... – eu a chamei em um
canto, junto com sua Kamuro – Estou,
hoje mesmo, dando a sua Kamuro o título de Yuujo e já tenho para ela um
cliente...
– Mas senhora... – Tsuka ficou
visivelmente desconfortável – Ela ainda precisa passar pelo aprendizado de
Shinzo... ela não pode ter relações. Ela é muito nova. Ela tem só dez anos.
Não podia perder aquele
dinheiro todo.
– Não importa. Ela é agora uma
Yuujo. Leve-a ao quarto e a entregue ao cliente – ordenei.
Não me importava nem um pouco
se ela era muito nova ou não. Aquela Kamuro
não tinha modos e não sabia nenhuma etiqueta. Jamais seria uma Oiran de alto
nível. Se pudesse me render algum bom dinheiro naquele momento, já seria de
algum proveito.
Tsuka a levou, mesmo
contrariada e a largou no quarto. Só me restava esperar para que aquela pequena
bastarda agradasse seu primeiro cliente e me pagasse parte do valor pelo qual a
comprara de seus pais.
– Não! – ouvimos, depois de um
tempo, os gritos do cliente.
Não eram gritos de felicidade,
com certeza. Algo de errado estava acontecendo.
Corremos para o quarto e,
abrindo a porta vi, deitado sobre a cama, completamente ensanguentado, o nosso
cliente nobre. Ao seu lado, a pequena Kamuro,
trêmula e nua, com sangue respingado em seu rosto, olhava em choque para a
parede. Em seu cabelo, desgrenhado, estava pendurada a pequena jóia de flor de
sino que Tsuka lhe dera no primeiro ano em que chegara à nossa casa, em
homenagem ao seu nome.
– O que aconteceu aqui? –
gritei desesperada.
Ao olhar para a parede, vi uma
mulher mais velha, de longos cabelos brancos e olhos azuis, empunhando uma
espada que pingava o sangue daquele pobre homem.
– Quem é você? – berrei.
– Você... – ela veio em minha
direção – ia permitir que aquele demônio violentasse essa criança?
Senti um frio subir pela minha
espinha.
O olhar frio daquela mulher,
que, empunhando sua espada vinha para cima de mim, dava-me a certeza de uma
morte terrível.
– Por favor, não me mate! –
joguei-me em um canto, tomada por um medo terrível.
– Eu a salvei por pura sorte –
disse a mulher, enraivecida – e pelo azar desse monstro cuja vida eu já deveria
ter tirado há dias. Hoje – ela apontou a espada para mim – eu vou poupar sua
miserável vida, mas levarei a pequena comigo.
– Como quiser – disse
rapidamente, torcendo para que me deixasse viva.
A mulher abraçou a pequena Kamuro e a levou para fora do quarto, em
direção à porta de saída.
Olhei por cima do ombro e vi a
bastarda, de olhos arregalados, ainda em choque, levantando sua mão confusa,
despedindo-se de Tsuka, sua Oiran.
Tsuka, de olhos cheios de
lágrimas, ainda assustada pela cena, abanou de volta enquanto a mulher e a Kamuro sumiam pela porta.
Havia perdido muito dinheiro
e, certamente perderia muito prestígio com aquela morte, mas ainda assim eu
estava aliviada por ter sobrevivido àquela cena animalesca e brutal.
– Adeus... – Tsuka caiu de
joelhos ao meu lado – Suzuhana... – suspirou, despedindo-se de sua Kamuro.
A Saga Draconiana – Fragmentos
Draconianos
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A. G. Olyver