Peguei meu presente em mãos e
me sentei sob a árvore de natal enorme que eu mesma havia montado, enfeite por
enfeite, em frente à lareira. O brilho do fogo e o calor pareciam querer me por
para dormir. O aconchego era tão convidativo que me pesava os olhos.
Aquele era o primeiro ano que
passaria o Natal praticamente sozinha. Meus pais tinham partido em um cruzeiro
pelo Atlântico para celebrar seus vinte e cinco anos de casamento, e haviam me
deixado para cuidar da casa e do meu irmão mais novo.
– Eli! Eli! – berrou meu irmão
descendo as escadas em desespero.
– O que foi? – perguntei em
tom de repreensão – Por que essa gritaria?
– O Papai Noel está no
telhado! – ele disse como se aquilo fosse uma total surpresa.
Meu irmão já tinha dez anos de
idade e, certamente, há muito tempo não acreditava em Papai Noel. Aquilo só
podia ser besteira.
– Do que você está falando? –
indaguei desacreditando-o.
No instante em que inspirou
para me responder, um barulho seco e alto se espalhou por cima de nossas
cabeças como se viesse do andar de cima. Como se tivesse caído no chão.
Meu coração disparou.
– Vem! – eu me levantei e o
chamei para os meus braços.
Nós nos abraçamos e seguimos
até a nossa porta de entrada. Alguém estava no outro andar e eu tinha certeza
de que não era o Papai Noel.
– Eu disse – ele insistiu – Tem
que ser o Papai Noel. Eu o ouvi chegar no telhado. Só pode ser ele! Quem mais
viria pelo telhado?
Escutei os passos acima de nós
se dirigindo para a escada que descia até a sala. O assoalho rangia como se a
lenha da fogueira estivesse estalando lentamente.
– Vamos embora – disse
destrancando nossa porta de entrada.
Sabia que, na rua, a neve caía
forte e o frio era intenso, mas ficar ali com fosse lá quem fosse, que havia
entrado por nossa janela, era muito mais perigoso. Provavelmente era algum
assaltante que queria aproveitar a noite de Natal para roubar algumas coisas
novas.
Assim que abri a porta, um
vento gélido passou por nós como se nos cortasse a pele. E, de súbito, uma
força pareceu ter arrancado a maçaneta de minhas mãos e fechado a porta
violentamente. Algo ou alguém não queria que nós saíssemos.
Fiquei em choque. Minhas
pernas, trêmulas, pareciam não querer se mover.
– Ora, ora... – ouvimos uma
voz vir da escada enquanto os passos se aproximavam – onde estão seus pais?
Assim que nos viramos, vi um
homem vestido de casaco preto, de olhar sério e profundo, como se não dormisse
há dias. Em seus pés, uma botina suja de neve, parecia tão surrada quanto suas
luvas de couro preto.
– Quem é você? – perguntei
assustada.
Meu coração disparou. No mesmo
instante senti minhas mãos suarem frio e um arrepio me subiu pela espinha.
– Seu pai tem algo que nos
pertence... – disse o homem – Um papel velho, muito antigo, onde há um monte de
desenhos engraçados.
Meus pais eram arqueólogos e
viajavam trabalhando por todo o mundo. Muitos artefatos, papiros e pergaminhos
antigos eram por eles guardados até serem catalogados e enviados aos museus.
Eles possuíam seu próprio laboratório no porão.
– Não sei do que está
falando... – murmurei com medo.
O homem, sério, moveu sua mão
e, como se um braço invisível tivesse me empurrado para trás, meu irmão foi
alçado ao ar e preso contra o teto.
– O que é isso? – gritei desesperada.
– Não me faça perder tempo,
garota idiota – grunhiu ele – Seu pai possui um dos mais antigos papiros sobre
o Rugido de Sekhem. Eu o quero! E o
quero agora! – ordenou.
Ver aquele homem suspender meu
irmão no ar era algo que eu jamais poderia acreditar estar acontecendo na minha
frente. Era como um filme de ficção, de fantasia ou qualquer coisa que usasse
efeitos especiais. Era como magia.
– Eu realmente não sei o que
você quer – repeti.
Realmente não sabia. Aquilo
tudo era surreal demais para ser verdade. Devia ser um pesadelo.
– Senhor... – ouvi a voz de
outro homem saindo de nossa cozinha – Vasculhamos a casa. Há um laboratório no
porão, mas o papiro não está lá.
O homem que segurava meu irmão
chacoalhou a cabeça lentamente de forma afirmativa, com se entendesse ou
concordasse com algo.
– Tudo bem... – ele disse –
Diga ao seu pai, que ele tem três dias para me entregar o papiro da Ordem de Sekhem, ou o garoto morre.
A porta, atrás de mim,
abriu-se de supetão e, sem que eu pudesse contê-los, aqueles dois homens
dispararam rapidamente em direção à rua, levando meu irmão com eles.
– Não! – gritei a plenos
pulmões – Não!
Corri para fora e segui até a
rua. O frio e a neve me faziam tremer e, por mais que eu olhasse para todos os
lados, não via sequer uma pegada em meio aquela planície branca que se
espalhava pela minha frente.
– Não... – caí de joelhos em um
último suspiro.
Minha visão, já marejada, não
conseguia focar em nada. Aquilo não podia estar acontecendo. O que aqueles
homens queriam? Onde estava meu irmão? O que eu faria? Parecia que meu chão
tinha sido arrancado de mim e que um terror havia se instalado na minha vida.
– Fique tranquila – ouvi, fina
e estridente, a voz de uma mulher que se aproximou pela calçada – O papiro está
seguro.
Limpei meus olhos e a olhei
com medo. Ela era baixinha e tinha os cabelos louros, quase brancos, cortados
na altura do pescoço. Suas feições eram asiáticas, com olhos negros, e lábios e
queixo finos. Em suas mãos, ela segurava o que parecia ser um velho papel
enrolado.
– Eles levaram o meu irmão...
– reclamei fungando o nariz, sem saber se ela ajudaria ou se estava com aqueles
homens.
– Ele também estará seguro –
ela sorriu enquanto se abaixava e me ajudava a levantar – Minhas Leoas já estão
atrás deles – encerrou limpando minhas lágrimas com os dedos.
– Quem são eles? Quem é você?
– indaguei confusa.
Ela, olhando fundo nos meus
olhos, deu um meio sorriso quase beirando a soberba e disse:
– Eles são Protetores... E eu,
bem... Eu sou a Leonesa... a sua Rainha.
A Saga Draconiana – Fragmentos
Draconianos
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A. G. Olyver