Todos os dias antes de dormir
e logo que acordava, tal como minha mestra havia me ensinado, eu me sentava em
forma contemplativa e Cultivava a Essência Primordial. Essa era a prática
básica que me permitia acumular poder para usar a Palma Servil, técnica máxima
dos Protetores.
Minha mestra, aprendiz da
linhagem direta da Última Luz do Protetorado, título dado a última Protetora
que reestruturou o Clã dos Protetores poucos anos antes da Grande Matança em
2060 A.D, sempre me disse que o nosso propósito ultrapassava nossos ideais
particulares e era, e sempre seria, em prol da segurança da humanidade. Os
Drakkars eram, definitivamente, uma ameaça constante à existência humana.
Desde os tempos mais antigos,
seres humanos e Drakkars conviveram de forma controlada; porém, de tempos em
tempos, os Drakkars nos lembravam que vinham dos Lordes Dragões, tentando sobrepujar
e dominar a raça humana, sendo, muitas vezes, bem sucedidos por um tempo. E,
graças aos Protetores que sempre estiveram no mundo, dedicando suas vidas a
proteger a humanidade, esse perigo era controlado e subjugado. Entretanto, pela
bondade do nosso clã, os Drakkars eram sempre perdoados e seguiam existindo até
que outro perigo surgia.
Esse tempo acabou. Era muito
claro que todos os grandes conflitos que custaram a vida de incontáveis seres
humanos foram desencadeados por mãos Drakkars. E, por isso, era imperativo que
nós, Protetores, extirpássemos essa espécie da face da Terra.
– Ela é só uma criança! Por
favor... – berrou em lágrimas a mãe da jovem Drakkar caída a minha frente.
Entretanto essa necessidade de
destruí-los nem sempre era fácil de executar.
De joelhos, jogada ao chão em
frente, dominada pela minha Palma Servil, uma garota de não mais que treze anos
de idade implorava por sua vida junto com sua mãe que, diferente dela, era humana.
– Nenhum Drakkar deve
permanecer vivo... – eu gaguejei, tentando manter a confiança das minhas
palavras.
Era óbvio que aquela criança
não era uma destruidora de mundos. Porém a lei que me obrigava a matá-la era
clara e simples. Eu sabia das consequências futuras de deixá-la viva.
– Por favor, eu imploro – a
mãe agarrou minhas pernas – Ela é uma boa menina. Ela nem vai desenvolver
Elemento. Ninguém mais desenvolve...
Uma verdade. Depois que nosso
Clã dos Protetores criou o “Círculo”, nenhum Drakkar conseguia mais se conectar
com seu Sangue Draconiano e, assim, não desenvolvia Elemento e, logo, não podia
Soprar. Porém, outra verdade era que o gene continuava lá e, no futuro, nada
impedia de que um descendente dela pudesse encontrar uma forma de evitar os
efeitos do “Círculo”.
– Eu sinto muito – disse.
Depois de mais alguns minutos
segurando-a ao chão, chegou até nós o Executor. Um Protetor de Elite que havia
estudado os níveis mais altos da Palma Servil. Um cargo reservado a poucos
escolhidos. Um cargo brutal, devido à frieza do extermínio que executavam.
– Um a menos – o Executor
posicionou-se em frente à jovem e preparou seu movimento.
A morte era, pelo menos,
rápida e indolor. Não havia sofrimento; pois com um único movimento, a Palma
Servil explodia os pontos de Fluxo dentro do corpo do Drakkar, fazendo com que
todas as ligações atômicas se desfizessem, liberado uma explosão de energia que
o eliminava instantaneamente.
– Espere! – eu disse em um
impulso.
Não sabia o que estava
fazendo, mas algo dentro de mim parecia querer ganhar tempo. De onde vinha
aquela vontade?
– O que foi, Protetor? –
perguntou o Executor.
– E se apenas destruirmos o
Elemento dela para sempre? – perguntei.
Aquela era uma habilidade que
nós tínhamos e, de certa forma, poderia ser usada no lugar da execução.
– Não seja tolo – disse o
Executor – Mesmo que seu Elemento seja destruído, seu gene passará e seus
descendentes poderão desenvolver seus Elementos normalmente. Agora cale a boca
e saia daqui. Deixe-me terminar meu trabalho.
– Sim, senhor – disse virando
de costas e caminhando para longe.
A cada passo eu me sentia
pior. Eu sabia que era a coisa certa a se fazer. Os Drakkars eram uma ameaça a
humanidade; então o que era aquele sentimento dentro de mim? Por que sentia que
estava cometendo uma injustiça terrível? O que era aquele pesar?
– Não! – ouvi os gritos da
mãe.
Uma luz explodiu pelas minhas
costas e senti uma energia vibrar por todo o lugar. Logo o silêncio tomou
conta.
Nenhuma dor, nenhum gemido,
nenhum choro.
– Sem choro? – resmunguei.
Assim que me virei para ver o
que tinha acontecido, presenciei um ser, vestido com uma espécie de roupa negra
com alguns pontos de luzes espalhados por ela. Em sua frente, o Executor, de
joelhos, parecia estático, sem falar ou mesmo estar consciente. Era um estado
catatônico. O que se passara ali?
– Ei! – berrei correndo em
direção aquela figura que permanecia em pé, em frente da jovem e sua mãe que
estavam em choque com a cena.
Usei a Palma Servil para
jogá-lo longe, porém nada aconteceu. Era como se ele não existisse. Não
conseguia senti-lo.
– O que é isso? – parei de supetão.
Ele, contrariando tudo o que
eu sabia ser possível, levou seu punho sobre a boca e soprou, tocou sua testa
e, súbito, em suas mãos uma infinidade de relâmpagos surgiram e se revolviam
violentamente.
– Não – disse a mãe – ele
tentou nos ajudar...
Eu não havia. Tinha tentado
minimizar a punição, mas não havia ajudado de fato. Podia tê-las deixado fugir,
mas não fora ser humano suficiente para isso.
Como um raio, aquela figura
pegou a mãe e a jovem e desapareceu da minha frente.
Eu nunca tinha visto um
Drakkar usando um Sopro. Aquilo não era para ser possível. E o que era toda aquela
tecnologia na sua roupa?
– Você não pode voltar ao
Palácio – ouvi uma voz de trás de mim.
Virei-me rapidamente e vi uma
mulher alta, de longos cabelos brancos e olhos azuis.
– Quem é você? – perguntei
confuso.
– Como você, eu sou uma
Protetora – ela disse – Porém, da mesma forma que há muitos anos os Drakkars
lutaram para proteger os seres humanos, hoje eu, como ser humana, luto para
protegê-los. E você – ela apontou para mim – Também quer ajudá-los. Eu sinto
isso. Venha comigo e você verá um mundo novo. Um mundo de verdadeira justiça –
finalizou estendendo sua mão.
Eu não podia, realmente,
regressar ao Palácio do Protetorado depois daquilo tudo. O que me restava? O
que eu podia fazer?
Olhei para o Executor
ajoelhado naquele estado catatônico. Não havia volta.
– E para onde vamos? –
perguntei, aceitando o destino.
– Para uma nova era – ela
sorriu.
A Saga Draconiana – Fragmentos
Draconianos
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A. G. Olyver