Era claro que Li Yuan já tinha
suas suspeitas de que eu fosse uma Drakkar e, mesmo sendo ele oficial de
confiança e braço direito do Imperador Yang Tong, preferiu vir conversar comigo
sobre os insurgentes que se espalhavam pela reunificada China.
Na época eu era uma das poucas
mulheres que tinham a liberdade de aconselhar os ministros e oficiais do
Imperador e, claro, muitos buscavam meus ensinamentos no topo do monte onde eu passava
maior parte do tempo, em Contemplação.
– E então? O que eu posso
fazer? – perguntou Li Yuan, esperando meu conselho.
Ele havia vindo me ver para
saber a respeito dos muitos trabalhadores do campo que, ao invés de se unirem
ao exército do Imperador para combater os insurgentes, preferiam mutilar seus
próprios pés para não serem convocados. Eram, realmente, pés sortudos, por
assim dizer.
– Meu caro Yuan – eu sorri,
achando graça do que o afligia – Vocês que antes movimentaram milhares de
soldados nas incursões para invadir o Reino de Goguryeo, agora convocam homens
do campo para fazer um trabalho que seus próprios guerreiros não conseguem...
– Essas incursões ceifaram a
vida da maioria dos nossos soldados. O Império quase ruiu... – ele suspirou
envergonhado – Mas, mesmo assim, os camponeses devem obediência ao Imperador! –
irritou-se.
– O ser humano deve obediência
ao que ele acha que deve obediência – eu disse – A vida é um bem único e
facilmente revogável. Não tenha por tolo o homem do campo que luta diariamente
para viver enquanto vocês se banqueteiam em palácios revestidos de ouro.
– Isso é um ultraje! – ele se
levantou esbravejando.
Atrás dele, sua escolta de cem
homens levantou-se junto e pôs suas mãos nas espadas, ainda embainhadas.
Yuan era esquentado, mas não
era estúpido de me enfrentar. Ele estava apenas irritado com sua impotência
diante de um sério problema que recaía sobre suas costas. E, de fato, ele não
fazia ideia dos terríveis momentos que viriam a frente e da queda do Império.
Porém ele também não fazia ideia do quão importante ele seria para a China e
para o nosso povo Han.
– Meu querido Yuan – eu me levantei
ao tempo em que toda a escolta sacou suas espadas – Você percebe que este lugar
onde está pisando já viu inúmeros Impérios subirem e caírem? É um lugar sagrado
e eu estou aqui há tanto tempo quanto ele.
Yuan engoliu seco. Estava
visivelmente nervoso.
– Você é um bom homem –
continuei – E por isso vou mostrar uma única coisa a você e sua escolta, para
que saiba que o que eu disser, é e sempre será para o bem do meu tão amado povo
Han, e nossa tão preciosa casa.
Respirei fundo e fiz meu Hasta, Soprando o Sopro Trovão, fechando os céus sobre nós e fazendo com que os seus raios
se revoltassem nas nuvens. E, de súbito, todos eles se jogaram por terra em
desespero.
Puxei o violento raio do Sopro Trovão e, enquanto ele descia, Soprei
o Sopro de Rapina e me movi velozmente
por entre todos os seus soldados, golpeando um a um, para que não conseguissem
se movimentar até que eu os liberasse. Então, ao retornar à frente deles, Soprei
o Sopro Relâmpago contra o raio que
descia e, com a explosão do choque brutal de ambos, fiz com que todos
observassem o poder devastador de um Drakkar Azul.
Era claro que tudo aquilo era
um espetáculo de luzes e sombras, para que ele, que seria o futuro Imperador da
China, entendesse que, tudo o que eu dissesse como sua futura oficial
conselheira, era para ser seguido à risca, para o bem de todos.
– Nos perdoe! – ele e sua
escolta gritaram assim que os liberei – Nos perdoe Senhora QingLong! – jogaram
o rosto contra o solo.
Desfiz o Sopro Trovão e logo todo o céu estava límpido novamente.
– Levantem-se todos – ordenei.
Todos obedeceram.
– Meu querido Yuan – eu me
aproximei dele e acariciei seu rosto – Você será grande e muita beleza virá
através de você e de suas escolhas. Vá e não force o povo a lutar uma guerra
que não é deles. Esteja do lado dos mais simples e eles estarão do seu, no
futuro que se aproxima.
Ele baixou sua cabeça e
suspirou profundamente.
– Vou confiar, hoje e sempre,
na sua sabedoria, Senhora QingLong – ele disse.
– Em sua próxima visita – eu
disse – Traga seu filho Shimin, pois vou ensiná-lo. Ele terá grande sabedoria e
vocês dois serão vertentes de luz e bondade por toda a nossa casa. Salvarão
essa terra e pacificarão esses povos insurgentes. E aqui – eu abri os braços
mostrando o lugar – Será o berço de um presente à humanidade.
– Obrigado Senhora QingLong –
ele me cumprimentou unindo as mãos em frente de si, com a palma esquerda
cobrindo o punho direito fechado, e reverenciando-me com a cabeça.
Yuan não fazia ideia de que
trazia instintivamente consigo toda a sabedoria do equilíbrio, a qual, por
muitos séculos, semeei entre nosso povo Han. O punho direito, representando o
Sol, o pólo positivo, encontrava o punho esquerdo, que representava a Lua e o pólo
negativo. A força e a filosofia, o duro e o macio, o alto e o baixo. Os opostos
em total harmonia. Aquele equilíbrio trazia claridade e, de fato, na nossa
escrita tradicional, bastava unir os caracteres de Sol e Lua para trazermos à
tona todo o sentido de clareza, de iluminação.
Eu, como mulher, fazia o mesmo
de forma contrária, cobrindo o meu punho esquerdo com minha palma direita. Os
fluxos possuíam uma ordem e o equilíbrio é um processo de espelhamento.
– Vá em paz – disse
cumprimentando-o.
Yuan partiu sem saber que
aquele pequeno evento, do qual havíamos participado, há muito tinha sido
orquestrado e organizado. Era necessário que ele se tornasse imperador e que
seu filho aprendesse a filosofia que eu lhe transmitiria. Tudo aquilo era parte
em um grande e complexo emaranhado de acontecimentos que levariam a um último evento
importante...
A Saga Draconiana - Fragmentos Draconianos
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A. G. Olyver